El Diablo - Cap 1- Destino

“Havia nove virgens, sempre a minha espera.
Olhei para a primeira, disse: Vem minha donzela!
Ela riu na minha cara, não gostou da manivela.
O Cavaleiro desmontou em frente à taberna. Não prendeu o belo alazão negro como a noite sem lua. Gostava de liberdade e não privava os outros dela. Seus amigos estavam com ele porque queriam, era assim que ele gostava que fosse.
Na brisa salobra que vinha do cais do porto, navegava a música alegre dos marujos bêbados, aproveitando os momentos de folga para esquecer as dores do corpo e da alma.
“Depois de muitas batalhas, voltar que bom era
Havia nove virgens, sempre a minha espera.
Olhei para a primeira, disse: Vem minha donzela!
Ela riu na minha cara, não gostou da manivela.
Pra Segunda perguntei, qual é o nome dela
cuspiu na minha cara, tripa de porco e moela.
Corri para a terceira, um véu cobrindo a cara
fui lhe dar um beijo, vi que era banguela...”
O Homem aproximou-se da porta e a abriu lentamente para que o ar viciado saísse deixando os seus olhos entrar primeiro. Foi até o balcão cortando a cantoria como uma faca que adentra um queijo fresco.
“Veio a quarta, caindo de magra, velha imunda
Bruxa sai de mim, de ti nada se aproveita,
Seca assim não quero nem a bunda.
Meu rei não me faça essa desfeita
A quinta era nova, quase uma novilha,
quando viu o instrumento, correu de medo,
só me deu dor na virilha...”
Ele encostou no balcão esbarrando nos que cantavam e falou com sua voz sombria.
_ Leite e uma vasilha funda.
A garçonete que ria da música até quase os peitos fartos lhe saltarem do corpete apertado fechou a cara na hora.
_ Não vendemos leite aqui. Peça aos homens que lhe dêem de mamar, o que conseguir é de graça.
A luz era péssima, vinda das poucas lamparinas a óleo dispersas pelo local, algumas já haviam se apagado por si mesmas.
Ele se aproximou mais do rosto da mulher que ainda ria da própria graça e disse lentamente.
_ Água limpa, uma vasilha funda e uma caneca do seu melhor vinho, por favor. – A voz era apenas audível naquela algazarra toda, mas o tom frio com que foi dito fez estremecer de medo a garçonete que foi logo atender o pedido.
A cena não passou desapercebida e aos poucos a cantoria foi morrendo, as atenções se voltando para ele.
Os olhares o analisaram em busca de lucros escusos, medindo o possível adversário. O Chapéu de abas largas encobria parte do rosto em sua sombra, nem os olhos eram visíveis. A capa de viagem longa e negra denunciava a espada que encobria. Botas de couro fino iam até a altura do joelho, afiveladas, negras e impermeáveis. Botas que valiam um bom dinheiro.
Ele apreciou o silêncio fúnebre que se formou à sua volta, acostumara-se demais com o silêncio e a morte, mas logo isso também iria mudar.
A garçonete trouxe as duas canecas e uma bacia cujo uso anterior deixara mostras ressequidas. Ele pegou a água e a despejou na bacia colocando-a no chão. Então todos notaram o enorme animal que se deitara aos pés dele e começara a beber em longos e barulhentos goles.
Ele pegou a caneca de vinho e a levou à boca no instante em que uma mão calejada e grande lhe agarrou o pulso.
_ Não gosto de beber na companhia de Cães – disse o corpulento marinheiro, exibindo uma faca na cintura.
_ Señor, não é um cão. Seu nome é Lobo, é isso que ele é. Agora peço-lhe que solte meu braço ou vai perceber que não é esta a fera mais perigosa que vaga sobre a terra. – Disse o homem de preto sem se voltar para o marinheiro.
_ Não estava me referindo ao animal – Disse o marinheiro e caiu na gargalhada, sem retirar a mão. – Quem vai me mostrar as feras...
Não conseguiu terminar a frase, o estranho agarrara os dedos que lhe cingiam o pulso e os puxara para trás violentamente. O barulho parecia de galhos secos se partindo e o urro de dor e os dedos em um ângulo estranho não deixavam dúvidas do ocorrido.
Um soco seco e rápido no meio do peito do homem fez com que ele soltasse um grunhido e desabasse de cara no chão, desacordado.
Um dos amigos do marinheiro sacou uma faca e ia arremessa-la quando uma sombra branca cruzou o espaço derrubando-o sobre a mesa.
Com um único salto, Lobo estava sobre o peito do marinheiro com as mandíbulas a lhe envolver o pescoço em um colar mortal. Só não separou a cabeça do corpo por ouvir a voz do seu companheiro.
_ Lobo, Não!
Todos ficaram paralizados, o homem com o lobo em seu peito estava mais branco que os pelos do animal. Vivo, mas em péssimo estado moral, excrementos a lhe sujar as calças. O ar estava pesado feito chumbo e cheirava a morte.
O Viajante se virou para as pessoas assustadas, olhando de um em um.
_ Sou conhecido como “El Diablo” – disse tirando o chapéu e libertando os longos cabelos brancos pela idade. – Vim aqui para matar a sede e seguir meu caminho em paz. Não me importo em matar, desde que seja por uma boa causa. Alguém mais se incomoda com a minha presença?
Ninguém se mexeu nem falou nada. Lobo soltou o marinheiro, que saiu correndo meio se arrastando meio se jogando por entre o povo, e se deitou aos pés do seu companheiro de viagem.
Diablo pegou a caneca e voltou a beber, dando as costas para todos, lobo os vigiava atento. Dois homens arrastaram o marinheiro desfalecido para fora do bar e outros arrumaram a mesa que havia caído. O burburinho voltou a tomar conta do ambiente.
_ Ouvi falar de um “El Diablo” em terras longínquas, mas ele tinha outro nome então...Sanches ou Santos...- disse um velho marinheiro cheio de cicatrizes no rosto e nos braços.
_ Santiago – disse Diablo encarando o homem – Deve ter viajado muito longe para ouvir falar nele. Como te chamas, Senõr?
_ Meu nome se perdeu com a minha santa mãe, mas por estas terras sou chamado de Fabrício, o velho. Então é mesmo Diablo, julguei que estivesse morto.
_ De certa forma estou mesmo.
_ De certa forma estamos todos mortos, senhor Diablo. Conheço uma Dama que gostaria de vê-lo...
_ Não estou interessado em mulheres da vida.
_ Não, não, senhor, esta já parou de trabalhar há algum tempo, agora outras trabalham para ela. Mas sei que o Diablo se interessaria por um certo medalhão de ouro com um dragão entalhado.
A faca surgiu como por encanto na mão de Diablo e foi logo ao encontro do velho pescador espetando-lhe a base do pescoço.
_ Diga o que sabe sobre esse amuleto ou não vai precisar se preocupar mais com sua vida miserável.
_ Calma homem, como lhe disse, está em poder dessa senhora. Ela o guarda para dar a um certo Diablo. Outros tempos eu fui atrás desse homem, mas nunca o achei, parecia desaparecido no vento.
A faca sumiu como aparecera, em seu lugar um sorriso com dentes brancos e pontiagudos, caninos parecendo de uma fera.
_ Leve-me então a essa nobre Dama, eu o seguirei.
Jogou algumas moedas sobre o balcão e saíram os dois, acompanhados pelo olhar dos que ficavam.